12 de novembro de 2011

Ver com os olhos livres

Filme "O Vidente" de Lee Tamahori
“O lance com o futuro é o seguinte: Toda vez que você olha o futuro ele muda porque você olhou. E isso muda todo o resto”.

A frase está no filme “O Vidente” (2007) de Lee Tamahori. É bacana quando alguém resume em poucas palavras aquilo que você sempre percebeu. Porque sei que em todas às vezes que retiro cartas aleatoriamente de um maço, assim o é.O futuro se modifica porque ao imbuir significado às cartas e ao respeitá-las como detentoras de uma função oracular, uma transformação ocorre em mim. Seja para me certificar do que já sei, seja para descobrir uma nova ligação entre os fatos.
Por isso, só lanço mão do Tarot se considerar este gesto um ato mágico. Neste momento, abre-se a cortina: ali estão os cenários, as personagens, a ação que envolve o enredo. Os temas. Os grandes temas e os temas cotidianos, por assim dizer. Os Arcanos Maiores e Menores. E nós, as personagens, equilibrando num entusiasmado malabarismo, moedas, chaves, torres, gadelhas, cavalos, livros e trombetas.
Vítimas do destino, como os animais na Roda da Fortuna, diriam alguns. Responsáveis pelo caminho, os defensores do livre-arbítrio.
Especulações sobre o que é oculto!, seria a fala da Sacerdotisa, aquela que sibila. Conjecturas inefáveis sobre os ditames do Universo. Mas se existe um desenho, o desígnio dos deuses está sendo traçado. Os imortais estão, no momento presente, manipulando as cordas que mexem os membros das marionetes. Posso, no ato de consultar o oráculo, ao lançar a sorte, investigá-lo, descobrir antes que aconteça. E refletir sobre o caminho a tomar.
Podemos também fazer uso da informação que modifica o curso dos acontecimentos e apenas observá-la. Observar é uma ação. Podemos agir diretamente sobre os azares, criando clímax, prevendo um resultado. Ou podemos tratá-los como poesia e deixar que o som de suas palavras nos norteie. Seja como for, algo mudou.
Os véus foram retirados em uma pausa de significado, em um novo raio de interpretação, em um arranjo revelador – um lance de dados, diria Mallarmé. Aí está a transformação. Disse a personagem “Oráculo”, em Matrix: – Se eu não tivesse dito, você teria derrubado? quando Neo esbarra em um vaso.
Não se vai ao Oráculo impunemente. Alguma coisa sempre acontece. Um rito está em arranjo. Uma fonte de água nasce em algum lugar.
E lançada a pergunta, como virá a resposta? Em Curitiba há o exemplo da Mulher das Balas. Viúva, com muitos filhos para criar, um dia entra em uma Igreja e pede ajuda aos céus:
– O que fazer para sustentar meus filhos? Que Deus me dê um sinal! e curva-se em respeito.
No chão, um papel de bala aberto. No alumínio, um estranho brilho. Desde então passa a catar papéis de bala pelo chão da cidade. E inventa moda: bonecas, trajes, brinquedos. Vende sua arte numa feira, em outras feiras. E em pouco tempo uma atriz global abre o desfile de suas criações. É o jogo dos deuses.
Nós, acostumados a filosofar e a superinterpretar, dificilmente levaríamos o oráculo ao pé da letra. Pensaríamos:
– “Bem, os deuses querem que eu desembrulhe minha vida”, ao vermos o papel de bala. Percepção que nos levaria a outra pergunta:
– Mas como? E talvez não chegássemos nunca a resultado algum.
Um pequeno índice, um papel caído no chão pode conter a resposta. Cada um verá o que seus olhos possam perceber. Quando os filhos do rei de Roma são mandados para Delfos no intuito de saber quem sucederia a Tarquínio, a resposta do oráculo foi: – Aquele que primeiro beijar sua mãe. Lucius Junius Brutus, um Louco com “L” maiúsculo, fez de conta que tropeçou e cai no chão dizendo: – Beijo-te, Mãe Terra! Conta-se que assim se tornou cônsul e fundou a República Romana. O Louco pode ser sábio, até sem querer. E a Fortuna brinda com a sorte os brincalhões. Se o futuro está em nossas mãos ou não, eu não sei. Sei que ele muda quando se olha pra ele. É ótima a imagem da bola de cristal para representar a ideia oracular. O cristal transparente nada esconde por isso é possível ver através dele em uma lufada de inspiração e imaginação. Gancho que pode lançá-lo para fora de um poço de dúvidas. Colocá-lo como sutil observador do cristal. E algo mudará. Algo sempre muda quando se olha para o futuro. Mesmo que você não acredite nisso.

(*) A expressão “Ver com os olhos livres” é do poeta Oswald de Andrade.Originalmente, este é um artigo do Clube do Tarô.

25 de setembro de 2011

A Rainha de Copas































Queen  of Cups/ Jake Baddeley



A Majestade dos Tronos da Água. A Rainha entre as figuras da corte preside a matéria aquosa. Por ser de Copas, Cálices, Taças, é duplamente água. Elemento no elemento. Líquido e recipiente. Água da Água. Não há nada de masculino nessa figura - estrogênio puro, arquétipo visceral do feminino. Nenhuma mulher de carne e osso pode ser completamente de Copas, a não ser quando, eventualmente, atinge o estado medial. Falamos de um arquétipo e do encontro dessa força primeva com mulheres de carne e osso.

Sim, a Rainha de Ouros também é duplamente feminina, Terra e Água, mas aí é outra história. O elemento Terra lhe torna "corpórea", tangível. A Mãe de Ouros relaciona-se com A Imperatriz, Terra.

A Rainha Copas, heroína e mote deste artigo, é uma emanação da Alta Sacerdotisa, arcano II.

Pura água, reflexo e transparência. 
Ei-la:

















A Dama das Águas é fluidez e dissolução, líquido amniótico, origem do mundo. Paralela ao horizonte espraia-se na superfície. Assim como o planeta, formado de 80% de água. Como o corpo humano. Mas a Rainha de Copas é 100% água. Especificamente nesse caso, 20% fazem toda a diferença.

A Majestade das Águas mata a Terra por dissolução, o Fogo por extinção e o Ar por dilúvio. O poder da água é inquestionável e avassalador. Assim também sabemos como ela pode morrer.

A Água rege o sono profundo, as memórias, o inconsciente. É o repouso. Horizontalizamo-nos quando dormimos. Voltamos ao estado aquático, às praias nativas, areia nos olhos. Unimo-nos a nós mesmos. Quando as nossas águas internas se acalmam namoramos com o SonhoÉ onde e quando o Tempo, deus radical e de pouca conversa, subvertido pelo mergulho noturno de uma gota humana nos deixa em relativa, momentânea paz.

Característica da Água: o amálgama, o mimetismo. Então, a nossa Rainha nunca pode mostrar-se exatamente como é. É o caso de Melusina, a mulher serpente. Ou de Mélisande, alter ego do Cavaleiro Verde no ciclo arturiano. Pura Anima. Emanação. Signo do engolimento, da expulsão, da corredeira simbólica.
The Silent Wail of Melisande -Chipo Laba


Águas da foz, nascentes e doces (signo de Caranguejo), Águas paradas e pantanosas (signo de Escorpião), Águas do mar (signo de Peixes). Três estágios do comportamento, cardinal, fixo e mutável. E assim se mexe a Majestade, dependendo dos humores. E tendo regência lunar... 
A Lua muda. Existe água na Lua. A Rainha muda. A Menina (lua nova), A Sereia (lua crescente), A Mãe (lua cheia), A Bruxa (lua minguante). Em sua doçura mora o sal e todos os perigos do mar. A força das marés. O oceano profundo.

Menina, porque é Boba. Bobíssima. Na Rainha de Copas vive uma eterna princesinha. Ela dança. Menina, porque é pura. Tem um trato inicial com a inocência. É a mulher-menina, a mulher-Estrela, cantada em verso e prosa por André Breton e Benjamim Péret, a musa eterna do Amor Sublime. Psiquê. 

Espera um príncipe encantado. E ativa o romântico-apaixonado em cada homem. É com ela que ele quer se casar, a princesa de seus sonhos secretos. Mulher Anima. De novo, o espelho. Ela não existe. Ela é Ele. Ele é Ela: "Conta a lenda que dormia/ Uma princesa encantada/ A quem só despertaria/ Um infante, que viria/ De além do muro da estrada (...) Assim nos conta Fernando Pessoa, ele mesmo, no seu poema Eros e Psiquê. Até que o príncipe vê que ele mesmo era a princesa que dormia. 

Beatriz de Dante, Charlotte de Werther. Laura de Petrarca.

Mas também é a Sereia que encanta, a sedução encarnada no seu canto transparente. Pura Música. Remanso de sereias, os mais belos monstros marinhos. Então, também é A Morte, a escuridão e o silêncio profundo. Os ossos nos navios, tesouro de piratas marcados com uma caveira. Ao contrário da princesa, que completa, a sereia sempre deixa um espaço em branco, um espaço a ser preenchido, uma indefinição. Troca os sinais, confunde, desloca os sentidos. Fisga. Ela é quem transforma o outro em peixe. Incompleta traz a incompletude.

Robert Fludd, Utriusque Cosmi Maioris
 Scilicet et Minoris Metaphysica
, 1617.
Como antes da Vida conhece a Morte e porque pode transmutá-la é A Mãe. Ás de Copas, fonte primeva.  Dos seus seios jorra o primeiro alimento, leite sagrado. Sem ela a Terra é estéril, de nada serve. 

É a Raiz dos Poderes da Água, princípio universal do Amor. É o balanço das águas que nina desde o ventre. São os braços que acolhem e a maciez do colo. A mais pura tradução da Ternura. 


E é Bruxa porque mexe com o destino. Conhece os segredos do passado e do futuro através dos véus, raios de sol com poeira purpurínea. Não, sua arma não é fogo que bruxuleia nem o vento que arrebenta nem a faca que corta nem a terra que acolhe. É a água que reflete. Espelho d'água.

Em toda mulher de Copas há um espelho. Há alguém mais bela do que eu? A magia que devolve ao emissor os seus próprios desejos. Mas não! Não a confunda com a Madrasta Malvada. Estou falando do ponto de vista do espelho. A postura dela nunca é longilínea, verticalizada e intencionalmente marcada como a personagem de Espadas. 

Copas é o reflexo. Por isso espadas e em geral, os signos do ar, a detestam. Mulheres regidas pela aridez do pensamento incomodam-se sobremaneira com a beleza desavisada de Copas. 

Illusion of madness by damnedEvans
Mas a nossa Rainha é capaz de iludir o sentido da visão. Pode ser uma velha de verruga no nariz, pode ser Lorelei na areia, de pequenos ou grandes seios. Não se engane. Embora seja impossível que ela não o engane porque o engano é da sua natureza. Não o engano articulado do ar, nem o engano vaidoso do fogo, nem o engano previsível do ouro. Mas ao poder que o feminino estende ontologicamente, visceralmente, a todas as mulheres.

É dissoluta porque dispersa e dissipa tudo que encontra. Não pára em si. Embora (convenhamos) aceite contornos por onde quer se esgueire. No entanto, ninguém molda a água. Apenas a contém por um tempo. Enquanto há tijolos, diques, garrafas, ela é fiel. Mas se esses lhe apertam, ela os explode. Também não a gelem porque com sua força iceberguiana não se brinca. É quando ela escorre em avalanche e derruba o mundo com sua grande bola de gelo e neve. E se afrouxam e dela se esquecem a Rainha das Águas escapole por meandros, buracos invisíveis e desaparece levando sua graça para outra realidade, água solúvel em água. Ela está sempre em si. Por isso, quase não existe. Paradoxalmente, toma o todo terreno, absoluta. Reina sobre as modificações, plena de modificações. Adquire cores, mas permanece em essência a mesma.

A mulher que tem na sua base a vibração essencial da Rainha de Copas precisa, para que possa se mostrar ao mundo, do vestido de Outra: algumas vibram em Espadas, usando a inteligência cortante do ar; outras em Paus com a beleza e o brilho do fogo; outras em Ouros, protegendo e alimentando com os frutos da terra. A Majestade do Trono das Águas é a única que não pode mostrar-se em uma situação mundana exatamente como ela é. Enfim...

Emoções e sentimentos, eis sua praia. Ela sente e sente muito. Enquanto sente é vítima de si mesma. Quando deixa de sentir já era, sinto muito. Você também vai chorar enquanto ela sofre, lamenta-se, vira berro d'água, água da água da água e toma afluentes. Afoga-se na tristeza. Para defender sua integridade sabe (ou pode saber) como alternar o leito por onde corre. E nunca passa pelo mesmo lugar. Talvez depois de muitos anos, depois de séculos, depois de Eras. Ela nunca deixará de ser o que era. 

Nota-se também pela ausência. O supra-sumo da chantagem emocional. Líquida, liquida com tudo. É como se o mar de repente sumisse, desaparecesse.

Trágica, grandiosidade de Diva tem a nossa garota delicada. É Ophelia morta entre as flores e óperas. Lágrimas. Vítima de sua extrema delicadeza. Vitima de sua sinceridade desavisada. Lágrimas. Vítima da integridade ofertada aos transtornos masculinos. Lágrimas. Ela não compreende, só sente. Ama em estado puro, mas não no mundo ordinário porque, o Amor, aqui na Terra, requer inteligência adequada. E lhe falta o jogo de cintura mercuriano, o fogo que lhe transforme a tepidez em lava, a antropologia visceral das necessidades básicas, o instinto animal norteador. Guria inadequada.

Medieval Scapini
É como é bela, beleza de aquarela emergindo das águas. Seu rosto é suave, seus olhos são transparentes seja lá a cor que adquiram, de maresia a maremoto. Depende do tempo. A moça muda. A moça é um arco-íris submarino, colorida pelas algas dos abismos absolutos. Sua beleza é excessiva. Como diz o imortal André Breton, a beleza será convulsiva ou não será. Esse é o caso.

Sendo a dona da poesia, Dea Musa, digamos que a mulher de Copas precise urgentemente e sempre de máscaras para se proteger. Máscaras que desgrudadas do seu rosto sejam-lhe professoras e tornem-se maneiras de entendimento futuro. Que nunca lhe nublem a essência e sim lhe mostrem as articulações precisas para que ela burle a sua extremada sensibilidade.  Para que possa se relacionar sem tanto e angustiado sofrimento. Para que não seque, para que não se envenene.

A dor e a depressão são tendências inatas dessa Rainha. Seu reino é a água tépida que para interagir precisa de terra, de fogo, de ar. Ela é Yin, totalmente yin. Para lidar com a dor precisa de apoio até que compreenda o que está ao alcance de suas mãos líquidas. E para que se proteja de si mesma. Não existe lugar neste mundo para uma mulher Água-Água. Ela é puro Cinema, Literatura, Mito.

AutumnsGoddess

Sua representação na Arte mostra de duas, uma: ou é a ninfa que emerge ou a mulher que mergulha para sempre. No primeiro caso está a lenda da Selkie, mulher-foca que, mostrando-se quase sem querer em sua face humana faz um coração masculino apaixonado. Ele rouba-lhe a pele e a toma como mulher. Ela lhe dá filhos, mas seu olhar não disfarça a saudade do mar. Um dia retoma sua pele de foca e volta para suas águas matriciais. Não pode ser feliz fora do seu elemento. 

A história que conto está no filme The Secret of Roan Inish e também é abordada com maestria por Clarissa Pinkola Estés em Mulheres que correm com os lobos.  Ainda no cinema, a visão mitopoética de M. Night Shyamalan, (em Lady in water) nos lega Story, uma ninfa da água que aparece numa piscina de um condomínio. Perseguida por inimigos que não querem que ela volte para seu mundo recebe ajuda humana. Aí está a inadequação da Rainha de Copas. Ela não é do nosso mundo. A não ser quando percebemos que no nosso mundo também moram a fantasia, a imaginação e a poesia. 

Quando há uma identificação extremada com a Rainha de Copas o risco de uma mulher perder-se no espelho das águas é alto. Voltamos à Ophelia shakespeariana boiando morta entre ninféias. Movimento narcísico. Ela quer ser só ela mesma e nada mais. É a escritora Virginia Wolff caminhando com uma pedra para o mundo das profundezas no seu suicídio.

É a personagem Ada do filme O Piano. Muda, sua voz é música. O cenário da sua história é cinza, nuvens carregadas, céu nublado chuva e sangue. Há água por todos os lados. Na magistral interpretação de Holly Hunter, a voz da sereia retorna para o mundo das águas. É também Dora Maar, de Picasso, que não chorava à toa.

Pablo Picasso, La femme qui pleure (Dora Maar), 1937
Mal aspectada é La Loroña, a mãe que afoga seus filhos. Banshee, aquela que grita e provoca a morte - Lilith, Cihuacoatl, Lamia e as sereias eslavas, as Rusalkas.  A Rainha de Copas é também Viviane, a Senhora do Lago, a guardiã de Excalibur. Recebe, conhece e oferta. E quando não se distrai com as mazelas humanas retorna para o poço, lá onde o fundo é tão fundo que não tem fim.

Poderíamos arriscar uma classificação. Inadequada, certamente. Quando se fala da Rainha das Águas nenhuma classificação é possível. Escondendo-me de sua fúria (ou mágoa), esquecendo-me da minha carta natal com caranguejo ascendendo em caranguejo, apelo para as artes geminianas: A Rainha de Copas de Crowley (Thot Tarot) tem sua posição astrológica entre o 21° de Gêmeos ao 20° de Câncer. Possivelmente serei perdoada.

Thot Tarot
A Rainha de Copas é:
MEDIUM se combinada com Copas
SEREIA se combinada com Paus
MÃE se combinada com Ouros
VIRGEM se combinada com Espadas

Seu poder de entendimento dos segredos s do mundo plasma-se quando está em essência no mesmo elemento, quando é A Sacerdotisa no Tarot. O poder de sedução inflama-se na Sereia quando de encontro com o fogo, A Força no Tarot. O amor incondicional e o poder de gerar, parir e nutrir no elemento terra, A Imperatriz no Tarot. E a pureza recheada com poder do destino quando de encontro com o céu, com o ar, A Estrela no Tarot.

A Rainha de Copas, o feminino frágil, belo, romântico, carente e ao mesmo tempo nutritivo, chafariz de toda a vida, parece ter se escondido para sempre nos livros ou falésias encantadas de pequenas cidades do interior da Irlanda. Em cartas de Tarot. Não cabe aqui. Virou personagem, voltou de onde veio com as veias sempre azuladas sobre fundo branco. Sua sensibilidade curiosa e inocente, suas vestes diáfanas, seus olhos verdes azulados de mergulho e sua incompetência funcional escondem-se cada vez mais nas ondas radicais de um tsunami. Acordem! Inumana e fonte de toda a vida, toma o mundo em ondas. Rainha que não necessita de um império. E que, no entanto, reina absoluta.

Queen of Cups by ghostinthesnow



















Em Cy,
Zoe de Camaris

1 de julho de 2011

Amor e Abismos

New Vision Tarot 



















Sem garantias, fator de risco. Sempre. Assim é o Amor. Mergulhar ladeira abaixo e subir aos céus. Vertigem da verticalidade (não é um pleonasmo, mas uma hipérbole), de profundis e ascensão, sem precedentes. Via de regra, não há escapatória. Não se vislumbra o fundo, onde dará o azul do céu? Não sei, você não sabe. Nietzsche atentou para a necessidade de asas quando se ama o abismo. Olhe longamente para o Amor e ele olhará para você. Entregue-se. Arrisque. Absurde-se.  Acredite. 

É o que nos diz O Louco, tonto de amor. Ah, tá, isso aí é paixão, não é amor. Por gentileza deixemos de lado frases prontas, aquilo que se repete por reflexo condicionado. Não há garantias sobre sentimentos, nunca. 

Há vertigens horizontais e paradoxos. O Amor é um velho moço. Um moço velho. Uma falha constante na Matrix, um lance de dados, match point. Acontece. Aconteceu comigo com você e com o vizinho. E é único. Muitas vezes único. Várias tampas para panelas variadas ou desvairadas. Com a miragem da flor azul no fundo à superfície d' água.

Inevitável que se pense no abismo como um espelho já que ele olha para você. Experimente gritar e ele lhe responderá: Eco! Eco!  Ergo sum. Logo creio que existo quando me vejo em você. Quando não me vejo ou não gosto da imagem, passo batom, mudo a cor dos cabelos, refaço os rastros e o retrato. Caminho pelas planícies lembrando das montanhas até que me acostumo ao horizonte. Ah, que beleza há na superficialidade! 

Aprender a superfície. Dissipar neblinas. Alimentar-se do sol cru do inverno. Caminhar lentamente pelos prados noturnos com a lanterna acesa, pirilampos portáteis. O moço velho. O velho moço. Livre do Amor. Livre de Si.

Tão inevitável como o Amor é caminhar do 0 ao 9.


New Vision Tarot


29 de junho de 2011

Curso de Tarot


FUNDAMENTOS (módulo 1)

A Linguagem do Tarot
Organização Estrutural
Bases Históricas
Abordagem Divinatória, Ocultista e Auto Reflexiva
Níveis de Interpretação
Rotas de Leitura/O Caminho do Herói
A Costura dos Arcanos Maiores
Via Seca e Via Úmida, Tétradas Comparativas
Os Arcanos Menores, Naipes e Elementos
Thot Tarot (Aleister Crowley), Universal Waite e Tarot de Marselha
O Ofício de Tarólogo - Postura e Ética


INTERMEDIÁRIO (módulo 2)

Aprenda a ler o Tarot criando as necessárias relações entre as lâminas. Em uma leitura, os significados "fixos" de uma carta tem o seu sentido alterado em relação aos arcanos que a acompanham. Como decodificar? Como desvelar a história que está posta a sua frente? Como perceber as ligações, os vasos comunicantes entre as imagens? Como exercitar a lógica combinatória? O curso é destinado àqueles que já possuem noções básicas da estruturação e significação dos arcanos maiores e menores.
Prática de Leitura
Aprofundamento nos Arcanos Maiores e Menores
Lógicas Combinatórias
Tiragens Diversas
Análise Numerólogica
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Dia 30 de junho de 2011
Todas as quintas das 20h às 23h
3 horas/ aula por semana
12 horas/aula por mês
Valor mensal de 280 reais
Duração de 4 meses

O curso será na Rua Antonio Contin, 340
Cajuru
Curitiba-PR

Mais informações zoedecamaris@gmail.com

18 de março de 2011

Curso de Tarot em Curitiba

Você acha que quem lê Tarot nasce sabendo? Não. É claro que um poder intuitivo inato facilita muito, mas a Arte do Tarot pode e deve ser aprendida. Aliás, uma das vantagens, mesmo para quem não deseja se tornar um profissonal da leitura dos arcanos, é o desenvolvimento da intuição, que se dá a medida que o aluno começa a criar os necessários links entre as imagens.

Desenvolvi um método de aprendizagem que realmente funciona. Os estudantes reclamam que não conseguem comprender os vasos comunicantes, as interrelações. "Decoram" os significados mas depois, na hora da leitura, não sabem o que fazer. A história que o Tarot mostra não aparece tão facilmente. Creio ter encontrado uma "chave" para que a leitura aconteça, sempre unindo a intuição e a técnica.

Então, se você deseja fazer parte daqueles que conseguem desvendar os mistérios do Tarot ofereço neste ano os dois primeiros módulos do curso. Maiores detalhes no Zoe Mídia.

Em breve, o curso virtual.

Abraços,












11 de março de 2011

Kamelia e a Borra do Café


Aí está o meu oráculo. Alguém se arrisca a interpretar?


O nome dela é Kamelia. Nasceu no Líbano, mas mora aqui perto da minha casa. Quem me indicou foi uma amiga de infância e como tenho uma verdadeira paixão sobre o poder de leitura de imagens fui conferir. Confesso que mais pela arte do que procurando previsões.

A verdade é que não tenho mais a curiosidade que tinha na consulta de oráculos. Leio o Tarot para mim muito raramente e quando Madame Zoe dá o ar de sua graça, o que não acontece sempre. Eu também tenho que marcar horário. E mais: preciso sair de mim para que a leitura seja correta. O risco de projeção é muito alto e a necessidade de isenção, enorme. Isso é paradoxal porque um tarólogo precisa conseguir interpretar seus arcanos. Então, uma vez ou outra, sento-me no consultório, medito, e em situação de paz interior lanço minhas cartas.

Quando a barra pesa e eu realmente preciso de uma leitura apurada, recorro aos meus colegas. Aí estão Alexsander e seu baralho Lenormand, a perícia de Alexey com os signos e planetas, a sabedoria de Marcelo "Kirtan" Bueno nos arcanos. Giancarlo, Vera. Meu querido amigo Wagner Piccinin. Ou então leio os sinais nas sincronicidades cotidianas ou pela Geomancia, minha arte secundária.

No entanto, a caminho da borra de café, eu sabia que algo diferente iria acontecer apesar da natural apreensão com a leitura de oráculos, apreensão essa que todo consulente deveria ter quando se trata de dar um poder momentâneo para que alguém rompa os véus que separam a nossa ilusão de passado presente e futuro. Por alguma razão eu sabia que seria legal. Mas Kamelia superou as minhas expectativas.

Peguei um taxi porque não queria me atrasar. Curiosamente a motorista era mulher. Comentei que ia para uma leitura de borra do café e os olhos da motorista brilharam através do espelho retrovisor. Na hora de passar o cartão a maquininha deu uma emperrada e vi Kamelia me esperando na porta (para se chegar na casa é preciso atravessar um longo jardim). Acenei para que me esperasse e reparei que a leitura já tinha começado.

Ela me recebeu na sala que rescendia a um perfume exótico. Uma sala simples. Seu filho sentado em torno da mesa parecia fazer contas ou estudar. Me sentei no sofá, a televisão estava ligada (vale a pena ver de novo!) e Kamelia foi preparar o café. Rapidamente me meti na cozinha porque queria ver a preparação tradicional ao modo árabe. Kamelia me mostrou tudo, tim tim por tim tim.

Sentamos na sala como fazem velhas amigas e tomamos o café. O rapaz desligou a televisão, Kamelia derrubou o que restava do pó de café do fundo da xícara em um guardanapo e fomos para um quarto ao lado.

Ela não sabia nada de mim, muito menos a minha profissão. Pediu-me que não falasse nada e com o óculos na ponta do nariz começou a sua inspirada e delicada leitura. A cada frase, a magia que faz com que o oráculo conte com uma história que desconhece me surpreendia. Ali estava o meu presente e cenas misturadas do passado e do futuro que iam sendo deslindadas pela interpretação das imagens no fundo da xícara, as linhas castanhas sobre o branco.

Não, eu não vou contar para vocês o que ela me disse porque isso não se faz. Mas foi um momento único na minha vida. Um momento de surpresa, conhecimento e magia. Nunca fiquei tão bem impressionada e olhem que, definitivamente, não sou marinheira de primeira viagem. A vida não havia até então me brindado com o café de uma sacerdotisa árabe e nessa hora, eu era só uma consulente atrapalhada, querendo interromper com meus desabafos a condução delicada de algo que suplanta o raciocínio comum (fica aqui a dica para consulentes matracas-tricas: aproveitem o oráculo e consultem uma psicóloga para outros fins).

Fechada a leitura, que por algum motivo durou mais que o tempo regulamentar, Kamelia me surpreendeu com outra de suas artes: a culinária. Sua magia estende-se pela alquimia dos alimentos. Para complementar a renda familiar, atende encomendas de grandes e pequenos jantares com as delícias orientais. Vi seus frascos de água de rosas, provei de seus quitutes (o chanclich e o zátar vocês não acreditam),  e ainda saí de lá com duas conservas: uma de coalhada, outra de beringela com amêndoas.

E olha... Eu vou voltar. Não só para encomendar gostosuras mas para dar continuidade às linhas de café que ainda não apareceram.

Kamelia foi um presente que falou do meu passado e do meu futuro. E parece que recuperei o meu gosto por oráculos. E por café com cardamomo.
















Zoe de Camaris
p.s.: se alguém quiser experimentar das artes da maga libanesa é só me mandar um email: zoedecamaris@gmail.com .



8 de março de 2011

O AMOR EM DIÁLOGO




O primeiro olhar trocado, o coração que dispara, a corrida ao espelho, a insegurança, a beleza dos gestos (naturais e estudados), o caminho trêmulo das mãos, a dança das línguas... Todos conhecemos a linguagem universal do Amor. Está no nosso DNA e é reafirmado pelas letras de música, pelo cinema, pela literatura. O tema é inesgotável embora conte sempre a mesma história. O encontro, o desencontro, o reencontro, com ou sem final feliz.

Mas o diálogo de que falo aqui é outro, aquele que vai além de uma conversa com o espelho, a fala da vaidade, a verborragia hemorrágica da exibição. Falo da abertura do coração e do verdadeiro interesse que nasce em relação ao outro. "O que você pensa, o que você vive, o que você sabe me interessa diretamente e é demonstrado". Da arte do diálogo no Amor, quando quase tudo que se vê é um monólogo incessante que vai num crescente chocar-se com os céus a espera do raio.

É possível que minha perspectiva deva-se ao meu mapa mercuriano. Não é possível sobreviver a uma história que não conversa, que não se diverte com as  palavras, que não exprime ternura nas mais acirradas discussões. Não é possível um amor que não instigue, um amor que não leve à criação, um amor que não faça que o outro brilhe naturalmente.

Existem amores que continuam incitando, acordados na lembrança e no passado. E amores que provocam idéias de futuro. Minha saudade caminha em ambas direções.

Há uma armadilha, claro, no amor somos todos pequenos animais transitando na selva. Pois amar pressupõe a entrega, a confiança, o acreditar, o caminhar sem medo. A cilada é a competição. Transformar o outro em uma ameaça e reagir com estratagemas do intelecto. Provocar o nascimento do predador quando não é possivel livrar-se da vaidade. É um risco, mas um risco que para mim, com meu Mercúrio dominante, aceito tranquilamente correr. Arriscar-me na selva dos pensamentos é bem melhor do que passar a vida falando sobre tomates sem entender a língua do outro. Aceito os sapos e os diamantes, como no conto de fadas.

Não basta a beleza dos corpos, não basta o poder da atração, a química das diferenças. Quero primeiro a lingua e depois a lingua.

Ambas titilando no céu da boca.


Zoe de Camaris

* na imagem, Abelardo e Heloísa.